Pinta preta
Também conhecida como mancha preta dos citros, é considerada uma das doenças mais importantes da citricultura brasileira e mundial. A doença causa danos qualitativos, decorrentes dos sintomas que tornam os frutos menos atrativos aos consumidores ou inviabilizam a exportação, e danos quantitativos, relacionados à queda prematura dos frutos.
Os maiores prejuízos são observados em pomares mais velhos, de variedades de maturação tardia, principalmente em plantas mal nutridas. O histórico da doença no pomar é importante para definir as estratégias de controle.
Depois de instalada em um pomar, não há possibilidade de eliminação. Por isso, a adoção de estratégias que previnam a entrada do fungo é essencial.

Identificação
Agente causal
A pinta preta é causada pelo fungo Phyllosticta citricarpa (Guignardia citricarpa), que pode se multiplicar e produzir esporos assexuais (conídios) em frutos, folhas e ramos secos da planta e esporos sexuais (ascósporos) em folhas caídas no solo.
Hospedeiros
A doença ocorre em todas as variedades de laranjas-doces, limões verdadeiros, tangerinas e seus híbridos. A lima-ácida ‘Tahiti’ não apresenta sintomas. As variedades de maturação tardia podem apresentar sintomas mais severos e maior intensidade de queda de frutos.
Danos e perdas
O principal prejuízo causado pela pinta preta na citricultura paulista é a queda prematura dos frutos, que pode reduzir em até 85% a produção das plantas de laranja-doce. Os danos são mais intensos em pomares mais velhos.
A doença não altera a qualidade do suco, pois as lesões afetam apenas a casca do fruto. No entanto, além de causar queda, a pinta preta provoca manchas na casca, prejudicando a comercialização no mercado in natura. Trata-se de uma doença quarentenária e, por isso, frutos de áreas contaminadas não podem ser exportados para áreas livres da doença, como é o caso da Europa.
Distribuição
No Brasil, a doença está presente em todos os estados das regiões Sul, Sudeste e Centro–Oeste, além dos estados do Amazonas e Rondônia (Norte) e da Bahia (Nordeste). Em São Paulo, os maiores problemas são observados nas regiões Leste, Centro e Norte.
Em geral, a pinta preta pode se estabelecer em todas as regiões citrícolas brasileiras. No entanto, as epidemias mais severas são observadas em locais com condições favoráveis à queda de folhas e à seca de ramos, onde são produzidos os esporos. A doença ocorre na maioria das áreas citrícolas do mundo, exceto em regiões de clima mediterrâneo.

Sintomas
O surgimento dos sintomas depende da variedade de citros e das condições ambientais – sua manifestação é favorecida por radiação solar combinada com altas temperaturas. Quando os frutos são infectados na fase jovem, alguns tipos de sintomas podem ser expressos rapidamente em cerca de 40 dias, enquanto outros sintomas podem demorar até 12 meses para serem observados. Quando a infecção ocorre em frutos maiores e maduros, os sintomas podem ser vistos no primeiro mês, embora a maioria deles não seja expressa até a colheita.
Tipos de sintomas em frutos
Mancha preta ou dura: É o sintoma mais típico da doença. Aparece logo após a mudança de cor da casca. As lesões apresentam bordas salientes marrom-escuras ou negras e centro deprimido, de cor palha, com pontinhos escuros (picnídios), onde se formam os esporos.

Mancha virulenta: Esse sintoma origina-se do aumento e da fusão dos outros tipos de lesões. Com o desenvolvimento, pode tomar grandes áreas da superfície do fruto.

Mancha rendilhada: Pequenas lesões escuras, superficiais e lisas, sem bordas definidas. Em geral, as lesões tomam grande parte da superfície do fruto, algumas com aspecto de lágrimas.

Mancha sardenta: Pequenas lesões, levemente deprimidas e avermelhadas, que aparecem em frutos maduros e também na pós-colheita. Picnídios são formados no centro das lesões.

Falsa melanose: Manchas pequenas, pretas, superficiais e lisas, isoladas ou agrupadas na casca. Aparecem em frutos verdes, sendo o primeiro sintoma da doença, geralmente a partir de fevereiro no estado de São Paulo. Pode ser confundida com a melanose dos citros, que apresenta lesões mais claras e ásperas.

Mancha trincada: Lesões superficiais escuras, de formato e tamanho variados, que aparecem em frutos verdes e ficam trincadas à medida que ocorre o amadurecimento. A mancha trincada está associada à presença do ácaro-da-falsa-ferrugem.


Disseminação
O fungo causador da pinta preta pode chegar ao pomar de diversas formas. As mais comuns são:
Mudas: O plantio de mudas de viveiros não certificados, contendo o fungo, pode dispersar a doença para áreas nas quais não está presente.
Material vegetal: Folhas e ramos contaminados podem ser transportados por caminhões e implementos agrícolas, especialmente durante a colheita.
Vento: Esporos do fungo presentes em folhas de citros em decomposição podem ser levados pelo vento para outras plantas do mesmo pomar e de pomares vizinhos.

Ciclo
1. Em folhas de citros infectadas que caem ao solo e entram em decomposição, formam-se os esporos sexuais do fungo (ascósporos), que são dispersos pelo vento e responsáveis por infectar ramos, folhas e frutos da planta e de outras plantas ao redor.
2. Em ramos e folhas secas, bem como em frutos infectados, formam-se lesões que produzem os esporos assexuais do fungo (conídios), que são dispersos a curta distância por água de chuva, orvalho ou irrigação. Os conídios podem infectar ramos, folhas e frutos, sendo os principais responsáveis pelo aumento da doença dentro da planta.
3. Em folhas caídas ao solo, infectadas tanto por conídios quanto por ascósporos, ocorre a formação de novos esporos do fungo, dando continuidade ao ciclo da doença.

Período de infecção dos frutos
Os frutos podem ser infectados desde a queda de pétalas até o período de colheita, estejam eles verdes ou maduros. As infecções ocorrem no período de chuvas, que no estado de São Paulo vai de setembro a abril.
As fases mais críticas para infecção dos frutos ocorrem de novembro a dezembro, quando os frutos têm entre 1,5 e 3 cm de diâmetro, e as chuvas são mais frequentes e intensas. Adicionalmente, precipitações podem ocorrer nos meses de maio e junho, favorecendo infecções principalmente em variedades de maturação tardia. Vale ressaltar que, em outros estados brasileiros, o período de infecção pode variar de acordo com o período chuvoso.
Embora as infecções ocorram em São Paulo a partir de setembro, os sintomas costumam ser expressos apenas a partir de fevereiro. As lesões do tipo mancha dura, sardenta ou virulenta estão mais associadas à queda prematura de frutos. Esses sintomas geralmente aparecem cerca de 100 dias após a infecção, com a maioria sendo expressa a partir de 200 dias.

Medidas de prevenção
Inspeção da doença: A inspeção é importante para detectar a pinta preta precocemente e evitar que ela se espalhe pelo pomar. A recomendação é inspecionar os frutos localizados no terço inferior da copa (saia), do lado com maior exposição à luz solar, pois o aparecimento dos sintomas é favorecido pela luminosidade combinada com altas temperaturas.
Controle da entrada de material no pomar: É preciso estar atento ao que circula no pomar, desinfestar e retirar restos vegetais de veículos e de materiais de colheita. O trânsito de material vegetal entre áreas com e sem a doença deve ser evitado. A instalação de bins distantes dos pomares também auxilia na prevenção da pinta preta e de outras doenças, pois diminui o trânsito de veículos no interior do pomar.
Plantio de mudas certificadas: As mudas devem ser adquiridas de viveiros telados e certificados.
Nutrição e sanidade do pomar: Árvores severamente afetadas por outras doenças devem ser removidas do pomar. Plantas debilitadas normalmente apresentam queda mais acentuada de frutos.
Remoção dos frutos temporãos infectados antes do início da florada: Frutos com sintomas podem conter esporos do fungo, que são levados por respingos de chuva para outros frutos, folhas e ramos.

Controle
Em pomares com pinta preta, o manejo deve ser complementado com um conjunto de medidas que protejam os frutos e reduzam a disseminação da doença no pomar.
Cobertura das folhas caídas: O plantio de adubo verde nas entrelinhas do talhão, seguido do corte com roçadeira ecológica, permite direcionar a vegetação para debaixo da copa das plantas. Isso cobre as folhas de citros caídas, formando uma barreira física que dificulta a liberação dos ascósporos.
Remoção ou decomposição de folhas caídas: As folhas de citros caídas podem ser removidas com sugadores ou rastelos e trituradas com trinchas. Outra opção é acelerar sua decomposição com o uso de compostos como ureia, aplicados com barras de herbicidas.
Poda de limpeza de ramos secos: Medida importante para reduzir as fontes de contaminação na planta, além de melhorar a aeração e facilitar a penetração dos defensivos no interior da copa das árvores.
Irrigação: Principalmente no inverno, esta medida reduz a queda excessiva de folhas e frutos e promove floradas mais uniformes, facilitando o controle químico. A irrigação por gotejo é a mais indicada nesse caso, pois está associada a uma menor formação de ascósporos em folhas caídas, em comparação com o sistema de microaspersão.
Antecipação da colheita: A medida é indicada em talhões com alta incidência da doença, especialmente em pomares mais antigos com variedades tardias. Essa medida evita a queda dos frutos com sintomas, que além de serem fontes de contaminação para outros frutos, folhas e ramos, podem cair prematuramente e reduzir a produção das plantas.
Controle químico
Fungicidas recomendados
O controle químico da pinta preta deve ser feito com critério e planejamento, para que seja eficaz e não favoreça a seleção de fungos resistentes aos fungicidas utilizados.
Os fungicidas mais utilizados são as estrobilurinas e os produtos à base de cobre. As estrobilurinas devem ser utilizadas durante o período de chuvas mais frequentes e intensas (novembro a fevereiro). Já os cobres devem ser utilizados em épocas menos favoráveis para a doença. Para o manejo conjunto da pinta preta e do cancro cítrico, o cobre é utilizado em associação com as estrobilurinas.
O cobre deve ser utilizado em doses iguais ou superiores a 30 mg de cobre metálico/m³ de copa. As estrobilurinas, por sua vez, devem ser utilizadas na dose de 2,8 mg de ingrediente ativo/m³ de copa, considerando a metodologia do volume de copa das plantas (tree row volume – TRV). O intervalo entre aplicações de cobre deve ser de 21 a 28 dias, enquanto para as estrobilurinas o intervalo recomendado é de 35 a 42 dias.
A lista de fungicidas registrados pode ser consultada na plataforma ProteCitrus – Produtos para Proteção da Citricultura. Esses produtos, principalmente as estrobilurinas, devem ser utilizados em mistura com óleo mineral ou vegetal. A dose de óleo varia conforme a idade do pomar e a época de maturação da variedade. A maior dose, de 0,25% (5 L/2000 L de calda), é indicada para pomares mais velhos, de variedades de maturação meia-estação e tardia. Em pomares jovens (com menos de oito anos) e de variedades de maturação precoces, apenas a aplicação do fungicida é suficiente para manter a doença e a queda de frutos em níveis baixos.
Atenção: O uso excessivo do mesmo grupo químico de fungicidas no controle da pinta preta e de outras doenças pode acarretar resistência dos diferentes fungos presentes nos pomares de citros. Para evitar resistência desses patógenos aos fungicidas, recomenda-se não utilizar fungicidas do mesmo grupo em mais de três aplicações por safra.
Idade do pomar e início das aplicações
Em pomares destinados à produção de frutas frescas, as pulverizações devem ser iniciadas quando os primeiros sintomas de pinta preta forem detectados na área. Vale ressaltar que, em pomares jovens recém-plantados, a doença tende a ser introduzida e disseminada principalmente pelos esporos formados em folhas em decomposição. Nessas situações, a aplicação de fungicidas tem pouco efeito sobre a produção e liberação desses esporos nas folhas caídas. Por isso, em pomares mais jovens, é indispensável o uso da roçadeira ecológica e de outras estratégias que ajudem a cobrir ou degradar as folhas caídas.
Em pomares para a produção de suco, as aplicações podem ser iniciadas quando a doença for observada em níveis que provoquem queda significativa de frutos, geralmente entre o sexto e o nono ano de idade do pomar.
Manejo ideal para áreas com pinta preta e cancro cítrico
Em pomares jovens (até seis anos), o cancro cítrico deve ser controlado com o uso de pelo menos 30 mg de cobre metálico/m³ de copa, sempre que houver brotações e/ou frutos com até 50 mm de diâmetro (ou até quatro meses de idade). Geralmente, esses pomares ainda não apresentam incidência significativa de pinta preta. Nessa fase, apenas os pomares voltados à produção de frutas frescas devem receber aplicações de cobre e/ou estrobilurinas para proteção contra a pinta preta.
Em pomares com mais de seis anos com presença das duas doenças, as pulverizações com cobre e estrobilurina são, em geral, necessárias para o controle da pinta preta e do cancro cítrico. As pulverizações devem ser realizadas a partir do florescimento, geralmente em setembro, com aplicações de cobre a cada 14 a 21 dias, com pelo menos 30 mg de cobre metálico/m³ de copa, especialmente visando o controle do cancro cítrico. Esse intervalo de 14 dias deve ser utilizado para áreas com alta intensidade de cancro, principalmente em variedades de maturação precoce.
Para associar o manejo das duas doenças, a estrobilurina deve ser utilizada na dose de 2,8 mg de ativo/m³ de copa, respeitando seu intervalo máximo de 42 dias.
Pulverizações durante a safra
Em pomares mais velhos do estado de São Paulo, onde a pinta preta já está distribuída e pode causar danos acentuados se não for bem controlada, o número de aplicações pode variar de quatro a seis por ano.
As aplicações se iniciam após a queda das pétalas das flores e terminam no final do período chuvoso, geralmente em março ou abril. De maneira geral, a queda de pétalas ocorre em setembro, e a primeira aplicação deve ser feita com cobre. A segunda aplicação, também com cobre, é feita em outubro (após 21 a 28 dias). A partir de novembro até o fim do período chuvoso, aplica-se estrobilurina pura ou associada com cobre, respeitando o intervalo de 35 a 42 dias. Se o florescimento for tardio e a queda de pétalas ocorrer a partir de meados de novembro, as aplicações já devem ser iniciadas com estrobilurina, pura ou associada com cobre, e mantidas até o fim do período chuvoso.
Pulverizações após março ou abril podem ser necessárias, caso as chuvas se estendam para os meses seguintes. Nesses casos, apenas devem ser pulverizados os pomares mais velhos, com variedades de maturação tardia, que serão colhidos após dezembro, ou aqueles destinados à produção de fruta fresca.
Volume de calda
Os volumes de calda das pulverizações para controlar a pinta preta não devem ser muito baixos. Em pomares destinados à produção de suco, recomenda-se o uso de aproximadamente 75 mL de calda/m³ de copa, com uma velocidade inferior a 4,5 km/h.
Para produção de fruta fresca, o volume recomendado é de aproximadamente 100 mL/m³, com velocidade entre 2,5 e 4,0 km/h. Essa combinação contribui para aumentar a penetração da calda no interior da copa.
A qualidade da pulverização pode ser avaliada com papéis hidrossensíveis. Para verificar se os frutos mais internos estão sendo atingidos, recomenda-se a colocação desses papéis no interior da copa das plantas. A cobertura da pulverização sobre os papéis colocados no interior da copa (próximo ao tronco) deve ser superior a 30%. Em pomares com copa menos densa, essa cobertura pode ser alcançada com volumes inferiores a 75 mL/m³, porém esses volumes mais baixos só devem ser utilizados em pomares onde a cobertura mínima foi atingida nos alvos internos.
Erros que não devem ser cometidos no controle
Velocidade de aplicação: Velocidade acima de 4,5 km/h não é recomendada. Em pomares destinados à produção de frutas frescas, a velocidade não deve ultrapassar 4 km/h.
Intervalo entre as aplicações: Devido a problemas com a pulverização, excesso de chuvas ou atrasos na colheita, os intervalos entre as aplicações de cobre e estrobilurinas ultrapassam 28 e 42 dias, respectivamente, comprometendo todo o programa de controle. Esses atrasos devem ser evitados, principalmente em períodos com chuvas frequentes e intensas.
Período de controle: Em áreas com problemas de pinta preta, o programa de controle não deve ser encerrado antes do fim do período chuvoso, que no estado de São Paulo normalmente vai até março ou abril. Se adotar intervalos mais curtos entre aplicações, o número de pulverizações será maior, principalmente em pomares velhos e de maturação tardia, que requerem proteção até o fim do período chuvoso. Intervalos mais curtos podem ser vantajosos em períodos mais críticos, como os meses de novembro e dezembro.
Dose dos produtos: A dose dos fungicidas não deve ser reduzida sem critérios, pois pode comprometer a eficiência e aumentar o risco de resistência. O SPIF é uma excelente ferramenta para calcular a dose correta dos produtos. Em pomares velhos com muita pinta preta, não se deve excluir ou substituir o óleo mineral ou vegetal por outros produtos.
Momento da aplicação: As duas primeiras pulverizações normalmente são com cobre. No entanto, em safras com florescimento tardio, a segunda pulverização coincide com o período chuvoso intenso, sendo mais indicado o uso de estrobilurinas a partir de meados de novembro. Esse grupo de fungicidas apresenta até 97% de controle, enquanto o cobre controla entre 50% e 70%.
Adequação do equipamento ao pomar: Em pomares velhos e não podados, a redução do espaço entre linhas pode dificultar a passagem do pulverizador, tornando a pulverização desuniforme e ineficiente. Além disso, usar pulverizador pequeno em plantas muito altas não permite boa cobertura no terço superior da copa.
Regulagem e calibragem: Os pulverizadores devem estar em bom estado de conservação, devidamente regulados e calibrados. A calda deve ser bem distribuída por toda a copa, com gotas de tamanho médio (em torno de 150 micra) e pressão de trabalho entre 100 e 200 psi.